Wirth, em seu “le tarot des imagier du moyen-age”, fala muito em “imaginar com justeza”. Enquanto escrevo este texto que será publicado na segunda, penso nesta frase logo após ter sorteado o #dezdecopas como conselho do tarô. Penso nesta frase e a reviro dentro de mim. O que é “imaginar”? Bem, o próprio ato de pensar sobre a natureza da imaginação já é um ato de imaginação, então imagino que eu não precise falar tanto a respeito deste verbete aqui. Mas, mais do que isso, eu pergunto, a mim e a você: por que imaginar? Estamos em tempos de castração – com a supervalorização do racional, do pensamento, daquilo que possui respostas lógicas e lineares. Queremos colocar tudo em uma narrativa que “faça sentido”. É a história com começo, meio e fim; tudo vira a Jornada do Herói, blá, blá, blá. E ok, as coisas “fazem sentido”, mas o imaginar entra no mundo justamente para nos ensinar a significar. Criar significado, experiência que, por mais que passe pela porta do racional, encontra a sua morada no âmbito da imaginação. É através da imaginação que moram os afetos – e é justamente por isso que nos apegamos às estações, aos objetos, aos oráculos e às pessoas – porque elas ganham um papel dentro de nós, uma sensação. Através da imaginação, é possível que você entenda exatamente o que eu quero dizer quando digo que sinto “borboletas no estômago” ou um “frio na espinha”. A imaginação nos liga neste mundo complicado e linguisticamente complexo, em que as metáforas ganham um peso tão ou mais concreto quanto as construções perfeitas formadas pela razão.
Imaginar é então a mãe dos afetos, mas eu sei também, e o Dez de Copas em seu aspecto negativo é uma das provas disso, que imaginação demais pode causar um mergulho tão profundo que pode ser que não consigamos viver outra coisa que não seja a imaginação – e sabemos que isso não é possível pois ainda vivemos em um mundo real, ainda há as sensações físicas e as necessidades racionais. Então, o que fazer? E Wirth me relembra: imaginar com justeza.
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Imaginar com justeza é justamente fazer com que tanto a imaginação como a racionalização do mundo não sejam forças antagônicas entre si. É Saturno que castra Urano, pois sabe que até mesmo a fertilidade e a vida precisa de um determinado limite para que o mundo consiga funcionar em harmonia. Imaginar com justeza é reconhecer o próprio Destino: é entender que se a gente não controla tudo, não tem por que sofrer por aquilo que não está em nossas mãos – é aprender a viver as dores que nos cabem, assim como com as felicidades que a nós são devidas. Justeza é um atributo da Temperança, o Anjo que verte as águas, que sabe a medida exata dos sentimentos, porque sabe de sua preciosidade. Colocar um pouco de equilíbrio nas forças do de nossa alma pode ajudar para que não sejamos nem muito racionais e duros, e nem tão imaginativos a ponto de nos tornarmos fugitivos de nós mesmos. Anjo que tem muito trabalho, afinal, diante de dez taças que pedem sua atenção.
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Alcançar a felicidade é, neste sentido, encontrar o passo justo. Saber dar valor para a imaginação e saber usá-la nos momentos certos, na medida certa. É não afogar na própria alma, mas também não morrer sem conhecer as próprias correntezas sentimentais. Saber ser ninguém mais que você, eis a missão dos dias, eis a verdadeira felicidade prometida pelo Dez de Copas.
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Em épocas em que tudo parece tão seco e infeliz, as dez taças nos permitem um banquete, mas o recado é claro: conheça seus limites, faça com que o líquido dure, não exagere. Um pouco de cada vez, não esbanjar, mas aproveitar ao máximo cada gotinha de imaginação.
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Julio Soares
Que presente essa reflexão! <3