Settebello - o sete de ouros
Na Scopa, um dos jogos de cartas mais tradicionais da Itália, existem quatro tipos de pontuações, além do próprio movimento da scopa([vassoura, varrida] que consiste em “varrer” as cartas da mesa): Carte, quando um time ou jogador(a) tem mais cartas na mão ao fim do jogo (este jogo utiliza cartas de 40 cartas, logo, vence quem tiver, no mínimo, 21 cartas na mão); Denari [ouros], que é um ponto extra dado a quem tiver mais cartas do naipe de ouros; a Primiera, que é um cálculo das melhores cartas da mão do(a) jogador(a) e, por fim, o Settebello: o sete de ouros. Este é o único ponto no jogo de Scopa que sempre ocorre, visto que alguém sempre terá o Sete de Ouros em sua mão. Além disso, se a pessoa tem na mão o ponto extra Denari e um Settebello, podemos dizer que ela já tem, praticamente, o jogo ganho.
Sete de ouros enquanto presente, recompensa.
Esta é uma das cartas que usamos para distinguir a escola que algum(a) autor(a) ou baralho segue. Geralmente, se o Sete de Ouros é considerado negativo, afirmarmos que é um baralho/livro de escola Inglesa. Se ele é positivo, porém, sabemos que pertence ao pensamento francês.
A forma normal do sete de ouros é a de um triângulo em cima de um quadrado. O triângulo é geralmente associado à Santíssima Trindade, à criação divina, à expansão. Juntando este simbolismo ao quadrado, conhecido como a única forma geométrica “humana”, visto que é uma forma dificilmente encontrada na natureza, e que representa, acima de tudo, uma capacidade imensa de estruturação e conservação de sua própria forma, temos uma energia criadora que não se perde, que mantém o foco e propósito. Moto-contínuo, um dos conceitos mais hipotetizados e idealizados da ciência humana: a máquina de movimento perpétuo, capaz de alimentar a si mesma sem parar. Por mais que, cientificamente falando, tais máquinas sejam impossíveis de serem construídas, no imaginário popular e na literatura esta possibilidade é sempre viva: a ideia de energia infinita, de uma autossuficiência tão complexa que aposentaria a necessidade de desperdícios energéticos.
Para Yoav-Ben Dov, o Sete de Ouros torna-se símbolo de “um novo elemento que é bem recebido em uma estrutura já existente” (BEN-DOV, 2020. p. 330). Tal como o settebello, que, em uma mão já cheia de cartas, sempre será bem-vindo, pois é sempre sinal de uma gratificação. Paul Marteau, um dos maiores nomes da escola francesa, aponta genialmente como existe uma relação mutualmente benéfica entre as duas formas geométricas: enquanto o quadrado dá uma estabilidade para o triângulo, este último o impede de tornar-se extremamente rígido (MARTEAU, 1991. p. 239). Ora, o que é o jogo de cartas senão um movimento perpétuo? A aposta em si tem um fator extremamente energizante: a incerteza. Ao embaralhar as cartas, eu não sei qual arcano vai sair na mesa, eu não sei qual face do dado vai estar virada para cima, mas eu sei que, entre essas cartas, pode vir justamente aquela que trará o anúncio de um destino afortunado. Essa é a graça da Scopa: alguém vai ter um Settebello em sua mão, sempre.
Mas ter um Settebello não indica uma vitória garantida. Às vezes é somente um prêmio de consolação.
Na escola inglesa, estamos diante do Senhor do Sucesso Inalcançado. Para a lógica inglesa, os setes indicam algum tipo de energia isolada, de consciência nova, que depende muito dos fatores externos para que se torne favorável. É como se tivéssemos conscientização a respeito de algum momento muito agradável e tentássemos revivê-lo, mas esquecendo-nos de que cada momento é, por si, único.
Nesta escola, o sete de ouros alcança um significado de pouco resultado para muito esforço. A máquina de movimento perpétuo é inútil: permanece infinitamente cometendo os mesmos erros, teimando nas mesmas questões. Isso me lembra um jogo muito específico, representado pelo Sete de Ouros, lido na escola inglesa: cliente estava estudando para concurso, e chegou com a reclamação de que não conseguia se concentrar durante a tarde, somente de manhã. Na casa cruzada da Cruz Celta, o settebello. Era óbvio: se você não consegue se concentrar de tarde, mas consegue de manhã, por que a insistência em estudar a tarde? Uma pergunta tão boba, mas, muitas vezes, não nos pegamos pensando no porquê de entendermos algumas coisas como normais. Por que é normal que eu precise sofrer para conquistar? Por que eu preciso gostar desse tipo de padrão? Por que é normal eu sentir tal coisa? No sete de ouros inglês, somos gado.
Mas é na mesma escola que encontramos algumas controvérsias: alguns autores de escola Inglesa, como Arthur Edward Waite, por mais que também associem o sete de ouros à ideia de muito esforço para pouco resultado, não necessariamente veem tal coisa como algo completamente negativo. Waite, seguindo o extremo da visão de Crowley sobre o Sete de Ouros, por exemplo, afirma: apesar de existir pouquíssimo resultado, existe algo. Sua mão não é a vencedora, mas há um ponto. Para Waite, poderia-se dizer, inclusive, “que o seu coração está ali” (WAITE, Arthur Edward, 1999. p. 142). A questão é: como utilizar essa chave? De que maneira este settebello se aplica?
A divinação e a aposta são muito semelhantes. Em ambas, há o incerto, há a ansiedade, o desespero e a espera. Enquanto uma carta tem sua face virada para baixo, ela pode ser qualquer coisa. Pode ser o prenúncio de muita fortuna ou de um coração partido, pode ser o encontro com um caminho tão buscado ou a certeza de que estamos perdidos(as). Mas uma coisa é certa, alguém sempre terá um settebello.
BIBLIOGRAFIA
WAITE, Arthur Edward. A chave ilustrada do tarô: fragmentos de uma tradição secreta sob o véu da divinação. 1. ed. Rio de Janeiro: Arcanum, 2019.
WANG, Robert. O Tarô Cabalístico: um manual de filosofia mística. 10. ed. São Paulo: pensamento, 1998.
BEN-DOV, Yoav. O Tarô de Marselha revelado: um guia completo para seu simbolismo, significados e métodos. 1. ed. São Paulo: pensamento, 2020.