Quem foi Pamela Colman Smith?
Repost do texto escrito por Gabriela Mantovani.
Pamela Colman Smith é uma figura cercada de mistérios. Tudo que a envolve, desde os temas de sua obra artística aos aspectos de sua vida pessoal — como sua sexualidade e etnia —, parece estar envolto em incertezas e indefinições. Muito disso se deve ao apagamento histórico de sua contribuição artística mais famosa, que foi relegada a pequenas notas de rodapé. Mas felizmente isso vem mudando nos últimos anos à medida que o estudo de sua obra cresce entre críticos e acadêmicos, pois a relevância cultural de seu legado é inegável. A verdade é que a produção artística de Pamela, principalmente a concepção do tarô Smith-Waite, reverbera até hoje na arte e na cultura popular.
Pamela Smith nasce no final do século XIX, em 1878, em Londres, e morre em Cornwall, também na Inglaterra, em 1951, aos 73 anos. Filha de americanos, desloca-se bastante entre a Inglaterra, os Estados Unidos e a Jamaica durante a infância devido ao trabalho do pai. Em 1893, após viver por um tempo na Jamaica, retorna ao Estados Unidos para estudar arte no Instituto Pratt, uma renomada faculdade em Nova York inaugurada alguns anos antes. Lá, Pamela desenvolve suas habilidades artísticas sob a tutela de Arthur Wesley Dow, um influente pintor, ilustrador e fotógrafo da época. É Dow quem apresenta a ela as vertentes artísticas e filosóficas que dominavam o pensamento da época, principalmente o simbolismo, cujas características marcaram a subsequente produção artística de Pamela. Em 1897, um ano depois da morte da mãe, ela acaba abandonando os estudos antes de se formar, e pouco tempo depois também perde o pai, aos 21 anos de idade.
Após a morte da mãe, Pamela retorna a Londres com o pai, onde começa a trabalhar como ilustradora. É nessa época também que se junta ao grupo teatral Lyceum Theatre, dirigido por Ellen Terry, Henry Irving e Bram Stoker, quando ganha o apelido Pixie (figura mítica do folclore celta, com aparência bastante similar a de uma pequena fada e o comportamento de um duende). Pamela viajava com eles trabalhando nos figurinos e na cenografia do grupo. Embora seja mais conhecida por sua obra visual e literária, o teatro parece ter influenciado muito seu estilo e sua produção artística como um todo.
O início de sua carreira é próspero, alcançando algum sucesso comercial já com suas primeiras obras, das quais vale destacar as ilustrações dos poemas de William Butler Yeats, publicados em 1898, e o livro Annancy Stories, de 1899, sua obra literária mais conhecida. Além disso, contribui com a revista The Broad Sheet, coeditada por Jack Yeats, até criar a sua própria, The Green Sheaf, editada e ilustrada à mão por Pamela, além de contar com alguns poemas de sua autoria. A revista tem 13 volumes, publicados entre os anos de 1903 e 1904. Em 1907, Pamela realiza uma exposição de 72 aquarelas na galeria 291, do famoso fotógrafo norte-americano Alfred Stieglitz, a primeira exposição de obras não fotográficas desse espaço, que foi considerada um grande sucesso comercial.
Tanto em sua carreira quanto na vida pessoal, Pamela sempre está na companhia de nomes importantes de sua época, como os já citados Bram Stoker, Alfred Stieglitz e a família Yeats. Em 1901, funda um estúdio em Londres, por onde circulam pintores, escritores e atores, e onde realiza performances e produz suas obras em meio a esse grupo boêmio.
É nessa mesma época que ela se envolve com a Golden Dawn (a Ordem Hermética da Aurora Dourada), a partir da qual sua relação com o misticismo e o ocultismo se torna mais evidente. É por meio da Ordem que ela entra em contato com Arthur Edward Waite, poeta e ocultista que seria o responsável por encomendar seu famoso tarô. Embora a ideia e a organização geral de um novo baralho tenham partido de Waite, as imagens icônicas que ilustram as 78 cartas, bem como as relações simbólicas que emanam delas — justamente o que garantiu a esse tarô a notoriedade e relevância que tem até hoje —, são produtos do trabalho minucioso e inspirado de Pamela. Apesar disso, quando foi lançado em 1909, a única referência à sua autoria em todo o baralho era a assinatura presente em cada uma das cartas, um monograma formado pelas iniciais de seu nome — PCS — que ela havia desenvolvido durante seus estudos com Dow no Instituto Pratt. O baralho foi intitulado “Rider-Waite”, em referência a seu idealizador e à editora que o publicou originalmente, a Rider & Co. Até hoje esse é o nome pelo qual é mais conhecido, sem referência nenhuma à Pamela, embora atualmente também sejam utilizados nomes que a incluam, como “Smith-Waite” ou “Rider-Waite-Smith”, numa tentativa de resgatar a importância de sua contribuição ao projeto. Quando foi contratada por Arthur Waite, Pamela recebeu apenas um pequeno pagamento por seu trabalho, sem nunca ter sido incluída nos direitos autorais.
Tarô Smith-Waite em edição moderna
Além de artista, escritora, editora e ocultista, Pamela também representa de diversas formas o movimento feminista — mantido, é claro, o devido contexto histórico. Além de participar do movimento sufragista, ela se dedica ao longo da vida a abrir espaços para si mesma, bem como para outras mulheres de sua época, num ambiente artístico amplamente dominado por homens. Em sua revista The Green Sheaf, Pamela buscava apoiar a produção de suas contemporâneas nas artes e nos negócios. Ao contrário de outras revistas artísticas e literárias da época, a Green Sheaf tem também um objetivo comercial, pretendendo apoiar e difundir pequenos negócios operados por mulheres. Além dos créditos aos artistas envolvidos naquela edição, as últimas páginas da revista sempre apresentam pequenas propagandas de mulheres que colaboravam com o projeto, como comerciantes, professoras de artes e costureiras.
Apesar do início promissor de sua carreira, Pamela abandona a arte três anos após a publicação do tarô. Com a virada do século e as mudanças estéticas e filosóficas operadas pelo início do movimento modernista na Europa, suas temáticas são consideradas ultrapassadas e caem no esquecimento. Sem o suporte financeiro e o reconhecimento necessários para sobreviver de sua arte, Pamela se converte ao catolicismo e compra uma casa em Cornwall, onde vive até o fim de sua vida. Ela passa também a alugar a casa para padres, o que se torna sua fonte de renda.
A história de Pamela Smith é marcada por diversas formas de apagamento que com frequência ocorrem a mulheres como ela, mulheres que não se conformam aos espaços que lhe são demarcados ou que fogem às classificações esperadas e bem delimitadas. Felizmente, nos últimos tempos sua figura vem sendo relembrada e ressignificada, seja em exposições de sua produção artística, em biografias, ou com a renomeação de sua obra seminal, o tarô Smith-Waite, abrindo espaço, finalmente, para que ocupe o lugar que tanto merece na história da arte.
Pamela Smith: a artista que atravessou o tempo
Munida de paus, espadas, copas e ouros, a Oficina Palimpsestus lança sua terceira campanha para homenagear e resgatar a memória de Pamela Colman Smith e todas as suas facetas — artista, ilustradora, escritora, poetisa, editora, cenógrafa e ativista. Publicaremos pela primeira vez no Brasil (ou melhor, no mundo) uma obra que reúne praticamente todo o trabalho da Pamela .
Nossa campanha prevê o lançamento de dois livros : a biografi “Pamela Colman Smith: artista, feminista e mística”, da professora e pesquisadora Elizabeth Foley O’Connor, com 32 páginas de ilustração, e “Pamela Colman Smith: Obra reunida”, organizada por Marina Jordá e Rogério Bettoni, com ensaios sobre a artista, sua obra escrita e visual, num livro de mais de 400 páginas e com mais de 200 ilustrações. Lançaremos também um tarô inédito e exclusivo criado por Elisa Riemer e Paula Mariá, da Nosotras Tarot, além de uma caixa com gravuras da artista e outras recompensas criadas somente para a campanha.